sexta, 01 dezembro 2023

Nunca te escrevi uma Carta de Amor

sábado, 01 agosto 2020 12:56

Hoje é o teu dia de Aniversário e resolvi dar-te uma prenda diferente. Nunca pus por escrito o quão importante és na minha vida. Já to disse milhares de vezes mas nunca o passei para o papel. Amo-te desde a primeira vez que te vi. Se dizem que não há amores à primeira vista, estão realmente enganados e tu és a prova disso mesmo. Teríamos 12, 13, 14 anos quando, ao ver-te passar na Travessa da Rua de São Pedro, o meu coração bateu a mil. Naquela altura tu eras somente um sonho impossível de alcançar. A miúda mais linda da cidade interessar-se por mim era verdadeiramente uma utopia. Todas as vezes que ia para a explicação de Matemática da Mariazinha, eu olhava para aquela pequena porta da casa onde vivias, que mais tarde soube que chamavas “Casa das Formigas”, sempre na esperança de a mesma se abrir e de trocar um simples olhar contigo. Tinha a noção que, algo mais do que isso seria sair-me o totoloto (na altura não havia euromilhões). Só de te imaginar a abrir aquela porta justo no momento em que eu passava fazia-me um frio na barriga e uma tremedeira de pernas que nem queiras saber. Aqueles teus cabelos longos, soltos e sempre bem penteados… aquele odor que emanavas ao passares por mim nos corredores da escola, tudo era para mim um sonho. “Baixinha” era assim que te chamavam os teus amigos… As minhas esperanças em relação a ti eram quase nulas, tu nem olhavas para mim quanto mais dirigires-te a mim para falarmos.

 

Conhecemo-nos aí com 17 anos, nas grades do Rossio que dividiam a praça de táxis do resto do estacionamento ainda de terra batida… mesmo em frente ao “Convívio” e ao “Águias D’Ouro” onde meia cidade se sentava a passar o tempo, a esparvoar… era o ponto de encontro de muita gente nas saídas à noite. Quem nos apresentou foi o Susi numa noite de Verão… a partir daí a minha esperança renasceu e cresceu exponencialmente, pelo menos nos meus sonhos. Passámos a trocar “olás” nos corredores da escola, encontrámo-nos algumas vezes, por mero acaso (ou não…) nas instalações da Rádio Despertar onde ambos fazíamos programas e, pelo menos, já havia alguma conversa entre nós. Entretanto fui trabalhar para o “Kimbo” e tu passaste a aparecer por lá a beber café com a Elsa e o resto do pessoal. De facto o ambiente daquele “Kimbo” era fantástico, não sei até se o João terá tido alguma vez uma equipa como aquela com o Takana à cabeça, o João, o Tó-Zé, a D. Luzita, a D. Laura, a Ana e eu. De certa maneira, também vocês passaram a fazer parte daquela mobília. Durante aquele período tirei a carta e comprei ao Sr. Emiliano, que era o meu patrão, o meu primeiro carro… um lindo Honda 600 branco... consigo até hoje saber a sua matrícula… BN-73-62. Curiosamente o teu pai era também cliente do Kimbo e cada vez que me pedia um café e um cheirinho perguntava-me se não lhe vendia o “boguinhas”, dizia ele que “Era mesmo bom para a minha Zézinha!”… eu pedia-lhe sempre mais do que me havia custado… mal sabia ele que de vez em quando te dava umas boleias. Foi o único carro que consegui vender mais caro do que o que me custou… mas tenho pena de o ter vendido e tu sabes que é verdade.
 
Grosso modo, a partir dessa altura começámos a falar mais e a partilhar gostos. De certa forma aí também nos começámos a aperceber que entre nós havia algo mais em comum, o gosto um pelo outro… se bem que o meu já existia, tinha era estado até aí adormecido numa qualquer esperança. Por entre peripécias de escritos nos vidros do carro e saudáveis e divertidas perseguições de carro pela cidade, sempre respeitando as regras de segurança e as leis do trânsito, chegámos ao dia 10 de Novembro de 1994, o dia em que a nossa história de amor em conjunto começou a sério… ainda hoje me lembro daquele beijo que trocámos no carro estacionado ao cimo da Rua dos Telheiros e que terá selado aí o início da nossa linda história. Tu costumas dizer na brincadeira que se não fosses tu eu ainda andava às voltas ao Rossio… provavelmente sim, mas certamente seria à tua procura meu amor. A partir daí as histórias dentro da nossa história foram e têm sido imensamente felizes, mesmo as mais complexas que exigiram de nós mais empenho e energia.
 
Sempre te disse que tinhas sido feita para mim, que os nossos pescoços encaixavam na perfeição do nosso abraço. Ainda hoje me surpreendo quando, em determinado instante, estamos a pensar o mesmo e o dizemos quase em simultâneo. Quem não nos conhece pode dizer que “Já se conhecem há tanto tempo que é natural!”, mas não! Sempre assim foi, sempre completámos as frases um do outro… sempre pensámos em quase tudo da mesma maneira… sempre tivemos os mesmos sonhos, as mesmas ambições, os mesmos objectivos de vida.
 
De 1994 a 1999 os nossos alicerces foram sendo construídos e nem a separação física de um Curso Superior nos afastou dos nossos objectivos de vida em comum e, quase no final do século XX, unimos o nosso amor num matrimónio muitíssimo molhado. Até parecia que tinha sido combinado com Deus, sairmos da Igreja e começar a chover desalmadamente durante todo o resto desse dia 18 de Setembro. Dizem que quando o casamento é molhado é também abençoado e o nosso tem-no sido, felizmente, até aos dias de hoje e espero que continue a sê-lo.
 
Desde essa altura tem sido só crescer, e da parte que me toca até para a frente e para os lados isso aconteceu, se bem que essa não é a parte mais importante desse crescimento. Crescer a saber viver em união é muito mais importante… viver com cumplicidade, com partilha, com fé, com justiça, com responsabilidade, honestidade, humildade, com respeito, solidariedade, paz e essencialmente com amor. Aliás, tenho para mim que o amor transporta consigo todos os predicados e que é só deixá-lo fluir e tudo o resto vem atrás. Bem sei que há quem não consiga encontrar o amor mas no fundo isso não é bem verdade, quanto a mim o amor está em tudo… numa simples flor que apanhamos… num gesto que temos… num olhar que partilhamos… num bolo que fazemos, enfim, é o amor que comanda o mundo (já ouvi isto em algum lugar)… à parte de tudo isto eu acrescentaria que a falta dele, nos nossos dias, também o comanda.
 

... quase no final do século XX, unimos o nosso amor num matrimónio muitíssimo molhado. Até parecia que tinha sido combinado com Deus, sairmos da Igreja e começar a chover desalmadamente durante todo o resto desse dia 18 de Setembro. Dizem que quando o casamento é molhado é também abençoado e o nosso tem-no sido, felizmente, até aos dias de hoje e espero que continue a sê-lo.

Fruto, precisamente, do nosso amor chegámos ao dia 11 de Setembro de 2002, um dos dias mais felizes das nossas vidas. Quem nos haveria de dizer que na primeira noite que ia passar em Sabóia me irias ligar às 11 da noite a dizer que estavas com contrações e que se elas se intensificassem eu teria que regressar a Estremoz. Pois… às duas da manhã, já do dia 11, entrei no carro a caminho de casa e às quatro e meia estávamos em Évora. Nesse dia nasceu o nosso primeiro grande amor, a Mariana. Daí para cá tudo mudou, e para muito melhor. Vivemos a inexperiência dos primeiros dias até encontrarmos a aprendizagem do real ao adaptarmo-nos a esses novos ritmos, aos novos sons, aos novos cheiros, aos novos sabores, aos novos sorrisos, às novas palavras. Depois veio o 15 de Agosto de 2007, outro dos dias mais felizes das nossas vidas. Nunca me esquecerei que na véspera às 9 da noite andavas, com um barrigão enorme, completamente descontraída em cima de um escadote na garagem e eu e a Isaura a ralharmos contigo e passadas tão somente 3 horinhas já a nossa princesa Matilde cá estava.
 
Sempre te achei uma guerreira, uma Mulher com “M” maíúsculo que não vira a cara à luta nem a qualquer desafio, que tem uma força descomunal na defesa dos seus e dos seus princípios. Tenho aprendido tanto contigo meu amor, tanto mesmo! Posso até dizer que sou um felizardo por te ter na minha vida.
 
Cinco anos depois, no dia 24 de Setembro, quando nada o fazia prever, recebi uma mensagem tua a dizer: “Estou grávida! E agora?”… acho que os meus olhos brilharam de felicidade e eu respondi-te: “Agora, quem cria dois cria três!”. Perante a tua insegurança e surpresa por se revelar falso o pensamento de estares precocemente a entrar na menopausa, choraste bastante mas, como em tudo, assumiste o destino e preparaste-te com todo o amor para o dia 18 de Maio de 2013, altura em que o nosso príncipe e reguila Miguel veio ao mundo qual Super Homem a voar pelos céus de Smallville ou Metrópolis. O facto de ter assistido ao nascimento dos nossos três filhos fez-me, ainda mais, perceber que os nossos corações estão divididos ao meio e que metade do meu está no teu e metade do teu está no meu. A sensação de ver nascer um filho é absolutamente indescritível e, para mim, foram três momentos incríveis que, ainda que fique mais desmemoriado do que já sou, nunca esquecerei. Quando menos esperávamos as fraldas regressaram, os biberões também e, pela primeira vez, passámos dois anos e meio sem dormir uma noite inteira porque o reguila não nos deixou. Ainda assim, mesmo com todas as experiências que vivemos andámos sempre de mão dada, juntinhos, a tentar fazer o nosso melhor para nada faltar aos nossos “M’s”.
 
Sabes tão bem quanto eu que nenhuma relação é perfeita… a nossa, apesar de andar lá perto, também não o é. Uma coisa é certa, temos sempre sabido, em conjunto, resolver os problemas que se nos deparam. Ambos partilhamos a ideia de que o mal dos casais dos dias de hoje é não conseguirem conversar, acabando as relações por se extremarem sem que façam a coisa mais simples do mundo que é ouvir o outro e tentar colocar-se no seu lugar. Felizmente sempre soubemos fazê-lo e sempre cumprimos o conselho do Padre Júlio no dia do nosso casamento: “Nunca vão dormir zangados um com o outro nem sem darem um beijinho um ao outro!”. Gostando de beijos como eu gosto não é nada difícil cumprir o conselho e os nossos feitios também não são para grandes zangas.
 
Na verdade podemos dizer que somos felizes juntos há “práí” 26 anos ou mais… temos crescido juntos, aprendido juntos, continuamos a gostar do mesmo género de música, do mesmo género de filmes, continuamos a gostar mais do Verão do que do Inverno e de termos o quintal cheio de amigos nas noites quentes, continuamos a gostar muito de praia, tu do sol, eu da água.
 
Devo dizer-te que a coisa que mais me surpreendeu em ti ao longo destes anos, e continua a surpreender, é o facto de seres uma mãe incrível, de uma sensibilidade brutal para com os nossos filhos, sendo rígida e firme quando tens que ser e permissiva (muito mais do que eu…) quando também tens que ser. Consegues saber, de forma inata, como agir na altura certa, o que para ser franco me faz pensar: “Como é que consegues?”. Ainda hoje me surpreendes pela forma como és e como ages.
 
Apesar de eu ser gordo e tu seres magra, adoro ver-nos juntos, adoro os momentos só nossos e os que, obviamente não são só nossos… adoro o teu sorriso, o teu carinho, os nossos segredos… adoro a tua pele, o teu cheiro, o teu toque… e fundamentalmente adoro a forma como desenhámos o nosso amor e o transformámos em três seres absolutamente lindos e, para além disso termos tido a capacidade de assumir esse desafio extraordinário que é a humildade de vivermos primeiro a dois, depois a três, a seguir a quatro e ainda a cinco. Não somos iguais, ninguém o é. Tu és tu, eu sou eu mas juntos, os cinco, somos um só ainda que cada um com a sua personalidade, especificidade e forma de agir e pensar. Sei que, por exemplo, tu nunca publicarias nenhum texto sobre nós, mas eu… eu acho que nem que seja somente uma parte, a nossa história de amor deve ser contada… quem sabe não sirva de exemplo para outros amores, até porque NUNCA TE ESCREVI UMA CARTA DE AMOR e, agora que o faço (se é que isto pode ser considerado uma carta de amor) acho que deve ser lida por toda a gente de forma a demonstrar a saudável estupidez, “bacôca” e apaixonada de quem a escreve. Se calhar todas as cartas de amor são assim, “bacôcas”, lamechas, pirosas e cheias de coraçõezitos e cupidos e outras coisas mais. Já que nunca fui muito romântico, ainda que tu esperasses que eu fosse um bocadinho, deixa-me agora sê-lo e dizer todas as baboseiras (no sentido positivo do termo) que se dizem quando se é romântico (acho eu…). Até as nossas filhas acham que eu não sou nada romântico quando perguntam como te pedi em casamento e lhes digo que não pedi… decidimos casar. O que é que se há-de fazer? Eu sou assim!
 
   
 
Eu acho que o nosso amor é perfeito, até nas imperfeições isso se nota. Desde que começámos a crescer juntos, a remar no mesmo barco para o mesmo lado, eu com um remo e tu com o outro, temos percebido que o nosso amor segue o rumo dos imortais, qual Cleópatra e Marco António, qual Romeu e Julieta ou Baltasar Sete-Sóis e Blimunda, ainda que, espero, sem o dramatismo associado a cada uma dessas personagens literárias e da história mundial. O nosso final, que espero longínquo, tem que ser feliz como nós somos, o nosso amor merece que assim seja. Este nosso amor é um poema, é uma prosa, diria que é um soneto, é uma estrela, uma flor, um campo de papoilas saltitantes, outro de girassóis, é um gato, é o mar, a chuva, é tudo e é mais alguma coisa… o nosso amor és tu, sou eu, somos nós. O teu amor é a minha luz, aquela que me faz andar para a frente e olhar o mundo com os teus olhos, pisando os teus passos. Por isso, o que te prometo é o mesmo que sempre te prometi, amar-te para lá do fim dos nossos dias, e mesmo quando um de nós rumar a essa outra dimensão, teremos sempre a nossa outra metade do coração. Sobre este assunto sabes que quero ser eu o primeiro, quero sempre ser eu o primeiro. Não! Não é egoísmo! É o entender que tu és muito mais importante no nosso núcleo familiar do que eu e… uma mãe é sempre uma mãe e as mães não deviam morrer nunca. Mas não falemos disso agora até porque, por tudo o que temos vivido, merecemos ser todos até nós sermos velhinhos e andarmos de bengala. Falemos da felicidade que é termos a nossa família tal como é e da forma imperfeita com que temos criado os nossos filhos, acho que é mesmo isso que os faz perfeitos, pelo menos aos nossos olhos. Já me perguntei muitas vezes quais serão as recordações que eles terão de nós quando formos embora? O que lhes ficará marcado na memória e no coração a nosso respeito? Certeza temos que tudo temos feito para lhes deixar bons valores para que os seus vôos pela vida se façam sem grandes vendavais ou pelo menos, que possam ter a capacidade de ultrapassar as dificuldades desses vôos, com tudo o que têm aprendido ao longo das suas vidas, para que se esses mesmos vôos se tornem calmos mas firmes. Continuaremos a fazê-lo da forma que achamos correcta e, enquanto o fizermos, podemos dizer que temos a nossa consciência tranquila. Ninguém tirou nenhum curso de como criar os filhos, acho que tudo tem a ver com equilíbrio e com a bagagem trazida, que é como quem diz, tudo o que nos foi transmitido pelos nossos próprios pais, avós, outros familiares e através das nossas vivências que mais não fizeram do que dar-nos também a capacidade para dividir o nosso amor.
 
Não sei se isto é uma carta de amor. Se calhar as cartas de amor são mais curtas mas como nunca te tinha escrito nenhuma, o tamanho desta é proporcional às que te devia ter escrito ao longo destes 26 anos se fosse uma pessoa romântica.
 
Já te disse que te amo? Já te disse que te amo cada vez mais? Talvez já to tenha dito mais do que um milhão de vezes, aí não tenho falhado, ainda assim há algo que não te disse tantas vezes e deveria ter dito… OBRIGADO MEU AMOR por cada momento contigo, por cada hora, por cada minuto, por cada segundo… OBRIGADO MEU AMOR por seres quem és… OBRIGADO MEU AMOR por partilhares a tua vida comigo… OBRIGADO MEU AMOR… por tudo… OBRIGADO MEU AMOR por guardares a minha metade do coração contigo… simplesmente OBRIGADO!!!
 
Como diz o nosso Miguel, “Amo-te… até ao pote de ouro do Arco-Íris e até ao teu mundo!”
 
AMO-TE e AMAR-TE-EI SEMPRE!!
 
* Professor Luís Parente
 
 
 
 
 
 
Modificado em sábado, 01 agosto 2020 13:31

Estranho Sábado, este…

quarta, 18 dezembro 2019 11:54
Antes de escrever este texto refleti de forma a saber se faria algum sentido expô-lo aqui, publicamente, no Ardina do Alentejo por se tratar de um assunto muito particular que mais não é do que um misto de agradecimento mas que também envolve afectos. Como não consigo escrever sem afecto, talvez tenham sido mesmo eles que me fizeram tomar esta decisão, os afectos de barro mas também de coração (já todos vão perceber porquê).
 
É dia 14 de Dezembro… que sábado estranho este! Desde Setembro que os meus sábados se tornaram uma verdadeira azáfama… uma boa azáfama, diria. Melhor ainda, não foram só os sábados, foram também as quintas e sextas-feiras à noite. Para dizer a verdade todos estes dias passaram num ápice, de Setembro até agora… estranhamente hoje está mesmo a custar a passar, parece que me falta algo.
 
Em Setembro iniciei uma nova experiência na minha vida que, de certa forma a alterou. Todos os dias há coisas e experiências que alteram a vida das pessoas, é certo, mas esta situação em específico revelou-se, de certo modo, inspiradora a diferentes níveis.
 
Como certamente saberão, os “Bonecos de Estremoz” fazem parte, desde 7 de Dezembro de 2017, do Património Cultural Imaterial da Humanidade. Sempre tive um especial afecto por esta forma de arte popular tão característica e peculiar que sai das mãos de autênticos artistas e, na minha profissão, não raras vezes, a levei às escolas por onde andei. O barro não era, por isso, uma matéria-prima estranha para mim. Uma proposta de trabalho trouxe-me ao Município de Estremoz para colaborar na área da Cultura precisamente na promoção desta forma de arte junto da comunidade escolar e dos idosos. As acções educativas nesta área já existem há quase duas décadas. São promovidas pela equipa do Museu Municipal Professor Joaquim Vermelho de forma absolutamente exemplar e a Isabel Borda d’Água é a cara desse sector, ela que, com a sua subtileza, credibilidade, sapiência, disciplina e sensibilidade já proporcionou a centenas de crianças e jovens o primeiro contacto com o barro e, naturalmente, com o “Boneco de Estremoz”. Ela própria diz, inúmeras vezes, que não se considera nem se sente professora por não ter tido cadeiras pedagógicas para o ser. Ainda assim, tomara que muitos que as tiveram se pudessem orgulhar de ter metade da capacidade que ela demonstra dia após dia junto das crianças que se deslocam àquela oficina do Museu Municipal. Ela vai, certamente, perdoar-me por isto… eu sei que ela gosta mais de estar na sombra mas não seria justo da minha parte que, ao falar sobre os “Bonecos de Estremoz” não falasse dela e na sua extraordinária importância para o Museu Municipal e para o próprio figurado de Estremoz não só junto da população escolar mas no contacto diário que tem com todos os artesãos que trabalham na área. Não existe, de certeza, qualquer jovem no concelho que não tenha aprendido pelo menos a fazer um apito ou outra figura com a Isabel. É também por este motivo que entendo reconhecer, publicamente, o fantástico trabalho por ela desenvolvido, por ser, precisamente, mais do que justo.
 

Para além de tudo, e não menos importante, são os laços de amizade que se criaram durante estes cerca de três meses e que, estou convicto, ficarão para a vida. Tenho a certeza que não mais esqueceremos o quão formidáveis foram os dias desta formação. Para dizer a verdade também tivemos uma sorte tremenda com o grupo de formandos que nos calhou, um grupo com sede de saber, plenamente motivado, disciplinado e disposto a aprender mais e cada vez mais.

A Isabel acompanhou-me nesta jornada especial e foi uma peça fundamental em todo este processo onde ambos, juntamente com o responsável técnico da candidatura dos “Bonecos de Estremoz” a Património Cultural Imaterial da Humanidade e autor de diversas publicações nesta área como o livro “Figurado de Estremoz – Produção Património Imaterial da Humanidade” editado em 2018, o meu caro amigo Hugo Guerreiro, mas também com o fantástico artista Jorge da Conceição, artesão de reconhecidíssimo mérito e qualidade, tivemos a responsabilidade de organizar um curso de formação no âmbito das Técnicas de Produção de “Bonecos de Estremoz”, numa parceria entre o Município e o CEARTE – Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património. Foram muitas as reuniões de preparação desta formação, foram muitas as ideias partilhadas, foram inúmeras as opiniões formuladas até se conseguir chegar ao que se pretendia. E o que é que se pretendia? Basicamente fazer o que não se fazia há mais de sessenta anos… ensinar um grupo de pessoas a fazer “Bonecos de Estremoz” de forma tradicional. A última vez que algo desta natureza aconteceu foi com o Mestre Mariano da Conceição, avô do Jorge (que curiosamente foi professor de Olaria do meu pai). Quando se começou a falar deste curso com mais insistência, a Senhora Vereadora da Cultura, Drª Márcia Oliveira, que foi uma das grandes entusiastas e impulsionadoras do mesmo, não precisou de muito para convencer o Jorge, até porque ele se disponibilizou de imediato a seguir as pisadas do seu avô para partilhar com todos os formandos a sua experiência no sentido de fazer com que esta arte pudesse ter seguidores para o futuro. Já que falo em disponibilidade, é da mais elementar justiça que se enalteça aqui o papel imprescindível do Jorge nesta formação… ele foi como que a pedra basilar de todo este curso, não só pela sua sapiência, sagacidade, dedicação, determinação e profissionalismo mas também por uma transparência de conteúdos absolutamente espantosa. O Jorge não ocultou o que quer que seja e esteve, durante estas cento e muitas horas, de espírito impressionantemente aberto partilhando toda a sua sabedoria e experiência com todos sem sequer se recusar a qualquer solicitação ou dúvida. Quando popularmente se diz que “o segredo é a alma do negócio”, neste caso específico, uma frase como esta não poderia ser mais errada… aqui, para haver evolução no “negócio”, todos os segredos deveriam ser revelados. E foram! O Jorge não só ensinou aquilo que lhe era solicitado como foi muito para além disso. Na realidade todos ficaram a ganhar com este curso de formação e, ainda que fisicamente tenha sido desgastante para todos (mais ainda para o Jorge em virtude das inúmeras deslocações a Estremoz)… ainda que o espaço individual de trabalho de cada um fosse limitado… ainda que o cansaço depois de um dia de trabalho se apoderasse de todos… ainda que estivesse calor, frio ou a chover… ainda que no início se tivesse receio de apertar o barro… ainda que as dificuldades iniciais tenham levado alguém a ponderar desistir… ainda que certos panos turcos de cor vermelha tenham espalhado fiozinhos por todo o lado… ainda que certo alarme se lembrasse de tocar àquela hora… ainda que tudo e mais alguma coisa, o que é certo é que, chegando ao fim, tudo valeu a pena, até o mais ínfimo pormenor valeu a pena. Nós, formadores, saímos com a plena consciência do dever cumprido e com o orgulho de podermos afirmar que, tal como todos os formandos, talvez tenhamos até entrado na história do figurado de barro de Estremoz (alguns, reconhecida e justamente, já lá estavam). Ainda assim, nada disto nos pode fazer “embandeirar em arco”… há que, agora, revelar humildade e dar o passo em frente trabalhando com rigor e afinco para proteger e valorizar o nosso próprio trabalho e fundamentalmente os nossos “Bonecos de Estremoz” que podemos também afirmar, orgulhosamente, têm o futuro garantido.
 
Para além de tudo, e não menos importante, são os laços de amizade que se criaram durante estes cerca de três meses e que, estou convicto, ficarão para a vida. Tenho a certeza que não mais esqueceremos o quão formidáveis foram os dias desta formação. Para dizer a verdade também tivemos uma sorte tremenda com o grupo de formandos que nos calhou, um grupo com sede de saber, plenamente motivado, disciplinado e disposto a aprender mais e cada vez mais. Tudo isso cria relações muito mais próximas e com este grupo de pessoas isso evidenciou-se de sobremaneira. A relação foi de tal maneira desprendida de qualquer forma erudita que se tornou tão mas tão simples ao ponto de, na nossa última sessão, ter falado mais a emoção por se ter chegado ao fim de uma etapa não só com os objectivos concretizados mas também com alguns sonhos realizados.
 
Na memória de todos ficará a lucidez, organização, talento e racionalidade do Pedro Cravo… a amabilidade, o empenho e o entusiasmo da Luísa Batalha… a competência, a distinção e a integridade da Vera Magalhães… a reacção e positivismo da menos rápida mas muito empenhada Carla Correia… a criatividade, a perspicácia e o experimentalismo da Joana Oliveira… a forma de trabalhar suave, objectiva, resolvida e equilibrada da Ana Pereira… a sagacidade, a distração, a rapidez e a diversão da Sofia Luna… a verticalidade, a reserva e o esforço do Manuel Broa… o proteccionismo, rigor, conservadorismo e apoio do Zé Carlos Rodrigues… a curiosidade, determinação e ansiedade da Madalena Bilro Martins… a gentileza, paciência e educação da Ana Godinho… a irreverência, jovialidade e imaginação da desconcertante Sara Sapateiro… a surpreendente, amável, sensata e cristalina Inocência Lopes… a generosidade, discrição e dedicação da Ana Catarina Grilo… a fragilidade, atenção e credibilidade da Fátima Dias… e a competência, compreensão e trabalho da Sílvia Cuco.
 
Na memória de todos ficarão, não só, inúmeros momentos de tentativas, de erros, de reformulação de ideias, de objectivos frustrados e falhados mas também ficarão momentos de reflexão, de trabalho árduo, de dedicação, de concretização, de partilha de ensinamentos, de amor à arte, de alegria, de amizade, de união. Na nossa memória ficará a sensibilidade e seriedade com que todos encararam este projecto e o amor e respeito com que, acreditamos, todos levarão o “Boneco de Estremoz”. E ainda que tivéssemos dúvidas bastava olharmos para aquele conjunto de mais de cem peças feitas com grande dignidade, não só com as mãos mas com alma e com o coração… peças, que, como diz o Jorge, “não envergonham ninguém” tal a qualidade apresentada. É justo que se reconheça que todos, com as suas imperfeições, foram absolutamente perfeitos. A todos… colegas formadores e formandos deste Curso de Formação só vos posso dizer… OBRIGADO!!
 
A porta da sala da formação fechou-se por agora… quem sabe um dia não voltará a abrir-se!! E talvez numa próxima oportunidade consigamos pôr o Hugo com as mãos na massa!!!
 
Para já… continuemos com a tradição!! “Toca a fazer Bonecos!!!”
 
Enfim… voltar aos sábados de antes de Setembro vai ser difícil… ai vai, vai!!!
 
* Professor Luís Parente
 
 
 
 
 
Modificado em quarta, 18 dezembro 2019 12:11

A vida tem destas coisas... de CONSCIÊNCIA

quarta, 20 novembro 2019 00:19
Há coisas na vida que aparentemente não têm qualquer tipo de justificação, ou pelo menos nós pensamos não ter. Talvez sejamos nós que não queremos encontrar justificações, talvez sejamos nós que temos dificuldade em observar com alguma clareza o que muitas vezes está mesmo à nossa frente. Na realidade o nosso cérebro, talvez inconscientemente, tende a procurar soluções tendencialmente proteccionistas para nós próprios perante determinadas situações que se nos vão deparando ao longo do percurso. Não raras vezes esse refúgio é enganador e, de certa forma, pode até resolver o problema imediato mas adia e em muitos casos agrava o problema de fundo (tenho ideia de já ter escrito isto em algum lado). E é aí que chega a consciência. De facto, muitas acções das nossas vidas serão extemporâneas, quase inconscientes, ou pelo menos são realizadas sem a reflexão necessária à resolução efectiva dos problemas. No fundo o nosso cérebro tem tendência a reagir de forma, digamos que ardilosa, e tenta encontrar um subterfugio para nos livrar desses problemas. Desconstruir essa situação acaba por ser o mais difícil. Quando o conseguimos fazer a nossa consciência fica liberta e vivemos a nossa vida plena e sem remorsos de qualquer tipo.
 
Tenho para mim que a experiência aliada à idade ou a idade aliada à experiência faz com que o treino do nosso cérebro vá dando as respostas aos problemas de forma mais célere mas também de forma mais ponderada e eficaz, não que sejam somente estes indicadores que o influenciam mas que se revelam de alguma importância não tenho qualquer tipo de dúvida. Também é certo que à medida que a idade vai avançando, os filtros vão desaparecendo. Quantas vezes não ouvimos já dizer “Eu já não tenho idade nem para fazer fretes, nem para me calar só porque sim”… mesmo que essa falta de filtros nos traga algumas vezes alguns dissabores?
 

Depois de tudo o que se tem dito e escrito sobre este assunto, não consigo ficar indiferente ao tema mas, apesar disso, mesmo depois de muita reflexão, não consigo ter uma posição clara e precisa sobre o caso. Se por um lado sinto uma enorme revolta pela atitude daquela progenitora e me recuso a chamar-lhe mãe, por outro também não consigo deixar de ter pena por aquela pessoa que eventualmente terá chegado ao limite dos limites para cometer o acto hediondo que cometeu.

É certo que cada pessoa é uma pessoa e as acções e reacções não são, obviamente, as mesmas perante a mesma problemática. Talvez seja também a tal consciência que minimiza ou maximiza o sentimento resultante dessas acções. 
 
 E pergunta o leitor o porquê desta conversa… toda esta conversa tem um propósito muito claro que traz aliado um misto de indignação mas, se calhar, também de comiseração.
 
De acordo com as notícias emanadas de toda a comunicação social, uma jovem de 22 anos deu à luz uma criança do sexo masculino e abandonou-a num qualquer contentor de ecoponto, nua e sem qualquer cuidado em resguardá-la do frio. Por mera sorte foi encontrada com vida, em plena luz do dia, por um sem-abrigo que eventualmente procurava sustento. Isto aconteceu na capital de Portugal, em pleno século XXI e com toda a informação que existe que, talvez por ser tanta se dispersa e se perde por essas ruelas (mas isto daria para muita conversa e ainda mais aprofundada). A progenitora foi encontrada e detida pelas autoridades para interrogatório. Acabou por ficar em prisão preventiva e poderá ser condenada, entre outros, pelo crime de exposição ao abandono do menor ou infanticídio.
 
Depois de tudo o que se tem dito e escrito sobre este assunto, não consigo ficar indiferente ao tema mas, apesar disso, mesmo depois de muita reflexão, não consigo ter uma posição clara e precisa sobre o caso. Se por um lado sinto uma enorme revolta pela atitude daquela progenitora e me recuso a chamar-lhe mãe, por outro também não consigo deixar de ter pena por aquela pessoa que eventualmente terá chegado ao limite dos limites para cometer o acto hediondo que cometeu. No entanto, nada disto significa que não ache que a jovem, também sem-abrigo, não mereça ser condenada nas instâncias judiciais pelo acto praticado.
 
Questiono-me para onde caminha este mundo? Questiono-me como é possível ser-se só numa cidade com meio milhão de habitantes? Questiono-me o que terá passado pela cabeça daquela jovem mulher? Questiono-me se estará ela arrependida do acto? Questiono-me o que terá acontecido para que a sua esperança fosse rio abaixo?
 
Tenho para mim que o facto de aquela mulher viver em condições indignas para qualquer ser humano não é motivo, por si só, para cometer uma atrocidade como aquela. Antigamente, quem não conseguisse criar os seus filhos, entregava-os a instituições, a familiares, a alguém que cuidasse deles com o mínimo de dignidade ou até mesmo, não se querendo expôr, deixava-os à porta de alguém.
 
Isto não quer dizer que nunca tenham acontecido factos como este ao longo dos tempos. Existiram e, infelizmente, continuarão a existir.
 
Poder-me-ão dizer que muita da juventude dos nossos dias não tem valores enraizados, que só o imediato e o seu “eu” lhes interessa, não se preocupando com o semelhante o que, até certo ponto, eu até concordo (… e aí somos nós os culpados pelo que transmitimos aos nossos filhos).
 
Poder-me-ão dizer também que, por um lado, a juventude desta mulher talvez não lhe tenha permitido ter a “bagagem” para agir de outro modo… mas por outro lado, nós sabemos lá qual a “bagagem” desta jovem, que vida terá tido, quantas portas se lhe terão fechado, o que lhe terá usurpado a esperança?… por muito que se diga e se escreva, só mesmo ela é que sabe.
 
Ainda assim, apesar do apelo da humanidade que me assola, não consigo ter a capacidade de, racionalmente, compreender a atitude em si. Talvez não me consiga decidir pelo lado certo. Pensando bem… haverá um lado certo? Se calhar até há, o lado certo tem que ser o da criança por ser o lado mais frágil, e quando penso nisso a minha revolta regressa e o meu desejo que aquela jovem que deu à luz seja condenada de forma implacável cresce. 
 
Tudo isto me faz reflectir ao ponto de afirmar que nós, talvez não tenhamos feito as apostas certas e que elas têm que advir precisamente da forma como educamos os nossos jovens. Temos mesmo que insistir e persistir em tentarmos deixar bons filhos no mundo e a aposta, essa tem que ser feita nos valores mais básicos como são os afectos, a vida, o amor, a responsabilidade, a verdade mas também a solidariedade e a humanidade. E pronto… quando se fala em solidariedade e humanidade tudo regressa à estaca zero. Quando penso que, sobre este caso específico, tenho uma posição definida, vem a consciência (…ai a consciência!!) e baralha tudo. Enfim… a vida tem destas coisas que fazem com que muitas lutas se façam na consciência e o que acontece é que, não raras vezes, não há vencedores nem vencidos nessas mesmas lutas. Tudo isto porque, por norma, há pessoas de ambos os lados... pessoas que, apesar de tudo, não deixam de o ser.
 
* Professor Luís Parente
 
Modificado em quarta, 20 novembro 2019 18:03

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segunda, 11 março 2019 15:09
Nunca foi mãe, é certo. A natureza assim não quis. Mas é preciso ser-se biologicamente mãe para se ser efectivamente mãe? Não! Está mais que provado que não! Muitas das vezes mãe não é quem tem, é quem cuida e cria. Sempre ouvi este termo e ao longo da minha vida, pessoal e profissional, tenho verificado e confirmado a veracidade da mesma. O meu texto de hoje volta a incidir numa perspectiva muito pessoal e familiar e tem precisamente a ver com estas relações em que o sangue “não passa” pelo coração.
 
Durante quase quarenta anos a minha sogra conseguiu ser MÃE mesmo não o sendo biologicamente. Há quase quarenta anos, quando se casou com o meu sogro, assumiu a responsabilidade de cuidar dele, dos filhos dele, entrando na sua vida sem condições ou restrições mesmo sabendo das eventuais dificuldades e tendo também a noção de que, a partir daí nada seria como dantes. Ela pegou numa criança de 8 anos que não lhe era absolutamente nada e amou-a com todas as suas energias, deu-lhe o carinho de uma verdadeira mãe, enxugou-lhe as lágrimas, curou-lhe as feridas, tratou-a, ensinou-a, partilhou alegrias com ela, deu-lhe muitas vivências que certamente não mais serão esquecidas, aliviou-lhe as tristezas, deu-lhe colo, transmitiu-lhe sabedoria, ensinou-lhe que nem tudo é um mar de rosas, abriu-lhe portas e encaminhou-a para a vida. Durante quase quarenta anos a minha sogra transmitiu valores de excelência que ficaram enraizados nos corações dos seus “filhos”. Sim porque foram muitos os “filhos” que tiveram a sorte de serem guiados pelos seus ensinamentos e pela sua experiência, não foi só a minha mulher, foram todos os seus sobrinhos e até os meus filhos os que foram bafejados pela sorte de serem criados por ela. Para se ter esta capacidade de amar tanta gente, é preciso ter-se um enorme coração, e a “Ti Bia”, mesmo com o seu feitio por vezes difícil, sempre o teve. Conseguiu sempre com sagacidade, persuasão e empenho ajudar os seus mais próximos, e os mais próximos dela nos últimos, quase, dezassete anos foram, primeiro a Mariana, depois a Matilde e mais tarde ainda o Miguel. Os meus filhos foram, efectivamente, criados por ela, até aos três anos qualquer um deles passou os dias e algumas vezes as noites na sua casa. O apoio diário à nossa família foi imprescindível ao nosso próprio equilíbrio, aliás, tenho a certeza que nada seria igual na educação dos meus filhos se não houvesse uma “Ti Bia” que carinhosamente tratou os seus netinhos com alegria, entusiasmo, responsabilidade e essencialmente com amor.
 
A partir de agora tudo será diferente, o Miguel não mais irá ao parque com a avó, a Matilde não mais a ajudará a fazer experiências culinárias ou a coser, a Mariana não mais lhe ligará a perguntar o que tem para o almoço nem lhe pedirá para coser os distintivos da farda dos escuteiros. Nenhum dos três voltará a ir dormir à da avó nem a ir, com ela, semana após semana ao mercado de sábado aqui por Estremoz.
 

Mulher simples, trabalhadora, multifacetada e excelente dona de casa, a “Ti Bia” viverá agora numa outra dimensão que não a nossa, onde estiver olhará certamente por todos nós, ainda assim manter-se-á sempre connosco até ao último sopro de vida de cada um de nós.

Mulher simples, trabalhadora, multifacetada e excelente dona de casa, a “Ti Bia” viverá agora numa outra dimensão que não a nossa, onde estiver olhará certamente por todos nós, ainda assim manter-se-á sempre connosco até ao último sopro de vida de cada um de nós. Quem sabe um dia não nos voltemos a reencontrar todos para relembrarmos esta vida terrena e recordarmos todos os momentos, todas as partilhas, todas as angústias, todas as alegrias e voltarmos a sentir a felicidade desse mesmo reencontro e celebrarmos a partilha de um novo sorriso e de uma troca de olhares com esses bonitos olhos azuis.
 
Estou certo que muitas famílias terão uma “Ti Bia” e com certeza estarão também agradecidos pelo que eventualmente lhes terá dado, mas hoje, aqui a “Ti Bia” de que falo é a minha, aquela minha sogra que viveu para si e mais para os outros, aquela que pautou a sua vida pela humildade e honestidade, aquela que ajudou com entusiasmo e sem nada querer em troca todos os que dela necessitaram e a solicitaram. Ninguém tira férias da família, por muito que, eventualmente, se ouse pensar nisso. Seguramente a “Ti Bia” nunca o fez, viveu ininterruptamente para a sua família, sempre preocupada e alerta com tudo o que se ia passando ao seu redor, com o seu marido e os seus “filhos” e netos.
 
Quando se perde um ente querido a vida dá-nos um estalo com tal força que ficamos de certa forma atordoados, mesmo quando menos esperamos. É um estalo para nos acordar e verificarmos que todas as pequenas quezílias, as preocupações sem sentido ou os “problemazinhos” não interessam mesmo nada… nada importa nesta altura. Só o que a maioria das pessoas ainda não conseguiu foi que esse estalo os acorde para sempre… mais dia, menos dia quase todos voltaremos a preocupar-nos com pequenas coisas que não têm a mínima importância, voltaremos a ser intransigentes com determinadas situações, voltaremos a exigir demais dos outros sem nos olharmos ao espelho, voltaremos a esquecer-nos que existe o outro e que esse outro pode ter necessidades de diversos níveis.
 
Ultimamente, sem saber porquê, cada vez que entro no espaço de um velório penso “Quem será o próximo que virei velar?” ou “Será que é a vez de alguém me velar a mim?”. Imagino muitas vezes se já terá chegado a minha meia vida ou se eventualmente essa meia vida já passou. Se querem que vos diga não gosto muito de pensar nisto mas no nosso cérebro há milhões de coisas que ainda não conseguimos controlar, e esta é uma delas. Não sei se é da idade… não creio que seja, até porque com quase quarenta e cinco anos não me sinto minimamente “velho” para pensar em assuntos desta natureza, não sei sequer se a idade terá algo a ver com isto, não me parece, mesmo. O que é certo é que, cada vez com mais frequência tenho ido a velórios. 
 
Quando nos acontece perder alguém mais próximo parece que tudo o que gira à nossa volta pára e, por estes dias é tudo isto que nos está a acontecer.
 
Ninguém gosta de ver os nossos sofrer e se há dor que não conseguimos sequer minimizar é a dor de perder alguém chegado. Quando vejo os meus filhos chorar desalmadamente ao saberem da irreparável perda da sua avó, ao verificarem que o contacto diário com uma das suas “mães” não mais irá acontecer, não há muito a fazer a não ser tentar acalmar os seus corações e fazê-los ver a importância de tudo o que aprenderam e viveram com ela e de todos os momentos por que passaram em conjunto. Vê-los assim foi para mim muito difícil, o meu próprio coração ficou completamente partido com o sofrimento deles.  
 
Este texto é uma homenagem a essa mãe que não o foi mas que foi uma grande MÃE. Conheci-a há cerca de 25 anos e este tempo de convívio, que nem sempre foi perfeito (nenhuma relação o é), foi um tempo de grande aprendizagem, felizmente com mais bons momentos do que aqueles que nos “aborreceram”. Tanto que eu “ralhei” consigo “Ti Bia” por insistir em dar guloseimas aos meus filhos, para agora querer que lhos dê. Sabe o que lhe digo… ainda bem que lhas deu, foram essas guloseimas que fizeram deles os doces que são.
 
Obrigado “Ti Bia” por ter sido para nós mais do que uma mãe… obrigado pelos acepipes maravilhosos (que deixarão muitas saudades!!)… obrigado pela ajuda em tudo e mais alguma coisa… obrigado pelos conselhos práticos que mais não eram do que o fruto das suas experiências… obrigado pela defesa intransigente da sua/nossa família… obrigado por ter amado a minha mulher e os meus filhos com toda a força que sempre demonstrou… obrigado pelas fantásticas experiências de vida que lhes proporcionou, pela educação que lhes deu, pela cumplicidade entre vós, por todo o vosso incondicional amor.
 
Dizem que as homenagens deveriam sempre ser feitas em vida, na realidade partilho dessa opinião, mas neste caso específico o tempo não me deixou fazê-lo, houve um coração que parou quando menos esperávamos. Na verdade nunca se espera ver partir alguém para sempre e muito menos da forma como sucedeu. Cada vez estou mais convicto que deve ser diário o reconhecimento, se tivermos que dizer algo, que seja hoje porque pode mesmo não haver amanhã.
 
Obrigado “Ti Bia”… por tudo!!
 
Até um dia!               
 
* Professor Luís Parente
Modificado em terça, 12 março 2019 16:01

Dá para voltar aos anos 80?

terça, 19 fevereiro 2019 01:41
Talvez nos dias de hoje se tenha perdido a noção do ridículo e, fundamentalmente, do bom senso, vejam-se por exemplo os gastos astronómicos, autênticas fortunas, unicamente para, por exemplo, aumentar audiências televisivas. Já vale quase tudo. A este respeito, quando a caixa de Pandora se abriu em Portugal com o aparecimento do “Big Brother” poucos acreditariam que se chegasse ao ponto a que se chegou neste momento, desde pessoas a testarem os seus limites físicos e psicológicos, a lutarem por posições empresariais, por empregos ou a fazerem os maiores disparates pondo, muitas das vezes as próprias vidas em perigo. Só em Portugal já passaram uma boa quantidade de reality shows. Recorri à internet e destaco, naturalmente, o já mencionado “Big Brother”, o “Masterplan”, Survivor”, “Quinta dos Famosos”, “Acorrentados”, “Bar da TV”, “Confiança Cega”, “Peso Pesado”, “Ilha da Tentação”, “Casa dos Segredos”, “Supernanny”, “Masterchef”, “Love on Top”, “Casamentos à Primeira Vista” ou “Pesadelo na Cozinha”, entre outros. Nos Estados Unidos então são para cima de duzentos, o “Shark Tank”, “Face Off”, “The Apprentice”, “Jackass”, “Botched”… enfim uma panóplia de programas disparatados que pululam nas nossas televisões e que continuam, infelizmente, a cultivar a ignorância nos nossos jovens, fazendo crer que a vida é da forma como nos fazem crer que é sem sequer se ter o cuidado de efectuar o trabalho de desconstrução da falsa realidade. As pessoas consomem o que lhes apresentam e infelizmente a maioria não consegue perceber que não vivemos num mundo superficial, a realidade é muito mais cruel do que a que nos apresentam. Ainda assim os reality shows de cariz musical ou os de artes culinárias serão, no meu entender, os mais lúdicos. Se alguns provocam em nós o espírito empreendedor, outros mais não são do que autênticas aberrações tal a falta de educação e ética. Muitos destes programas são anteriores ao “boom” das redes sociais (que já não é assim tão grande) mas é minha convicção que com o exponencial crescimento destas os próprios reality shows se conseguiram adaptar, para o bem e para o mal. Existe, quanto a mim, um elo de ligação comum a todos estes programas, esse elo chama-se exploração de sentimentos, hoje em dia recorre-se a esta exploração sem haver preocupação com o indivíduo, com o que pode suceder a seguir, com as consequências dessa mesma exploração. Perdeu-se a noção de humanidade e sobriedade, parece que se vive ébrio na ânsia de se mostrar ao mundo algo que devia ser pessoal, particular. As redes sociais têm muita força no que a, também, este assunto diz respeito, a sua influência é enorme. Vejamos outro exemplo, aquele que se passou com as eleições presidenciais norte americanas de 2016 ou mais recentemente com as eleições no Brasil onde o recém empossado presidente fez grande parte da sua campanha eleitoral praticamente sem sair de casa recorrendo, para o efeito, precisamente às redes sociais. Isto só para focar a sua influência no plano político porque na vida das pessoas, a mesma revela-se gigantesca, quer seja positiva ou negativamente. Na realidade a utilização das redes sociais tem algumas vantagens, desde logo a comunicação mais fácil e rápida entre as pessoas, o acesso à informação, a partilha de ideias e ideais, imagens, momentos, o reencontro com pessoas que, por imperativos da vida de cada um, deixaram de se encontrar ou se ver. Quantas vezes não vimos ou ouvimos já dizer que alguém encontrou no Facebook ou no Instagram um colega ou amigo de escola do qual não sabia há anos? Haverá poucas pessoas a quem isso não tenha acontecido.
 
 

 Cada vez mais penso que a forma como concebo a utilização das redes sociais não se coaduna com os dias estranhos (muito estranhos!!) em que o mundo vive. Para mim as redes sociais servem para a diversão, para o sorriso, para o conhecimento, para a alegria, de forma a conseguir equilibradamente partilhar aquilo que quero com quem quero mas sempre “na desportiva”… isso de destilar veneno não é para mim.

Na realidade todo o mundo da Internet alterou o outro mundo, aquele que nós, das gerações de 60, 70, 80 do século XX conhecíamos. O mundo evoluiu, é certo, mas não quer dizer que tenha evoluído de forma totalmente positiva. Quanto a mim, com o decorrer dos anos, foi-se perdendo o essencial e imprescindível equilíbrio tão necessário a toda e qualquer acção das nossas vidas. O radicalismo em muitos aspectos da sociedade tem ganho terreno de forma muito preocupante. Esta coisa do tudo ou nada continua a ser, para mim, difícil de compreender e interiorizar. Agora tudo tem que ser para ontem, hoje em dia os afectos são quase que informáticos, a coragem está nas palavras que se escrevem e não nas atitudes que se tomam. Essa mesma coragem que se demonstra nas redes sociais não é transposta para a realidade, as pessoas refugiam-se atrás do ecrã do seu computador ou do smartphone para, não raras vezes, proferirem impropérios ou ofensas que, cara a cara não conseguiriam nunca fazer. Aliás, já Umberto Eco dizia criticamente sobre as novas tecnologias que as redes sociais dão direito à palavra a uma “legião de imbecis”, o que é certo é que hoje toda a gente conjectura e tem uma opinião sobre tudo e mais alguma coisa. As pessoas deixaram de saber esperar, querem tudo no imediato… a exposição pública é de tal forma elevada que a privacidade quase que deixou de existir (nós também o permitimos, consciente ou inconscientemente, ao aceitarmos, concordarmos e ignorarmos as políticas de privacidade dos sites)… o sucesso é baseado no número de likes, de amigos, seguidores ou leitores… a estatística serve para tudo… os telefones são inteligentes, têm aplicações que servem para tudo, servem, imagine-se, até para telefonar (aparentemente o menos importante nos dias em que vivemos). Reconheço que muitas das inovações têm revolucionado o nosso mundo. O campo da medicina é paradigmático nesse sentido e a evolução tem sido muito significativa. Sim, é verdade, as tecnologias quando utilizadas para o bem são, de facto, fantásticas e ajudam muito. No entanto o que tem que ser também considerada é a falência e a incapacidade para controlar e minimizar até, pelo menos, tornar residual a parte maléfica da tecnologia. Esse é o grande desafio mas também a grande dificuldade dos dias de hoje. Agora existem “Youtubers”, os “Youtubers” são pessoas que conseguem fazer vida (alguns) do número de visualizações das suas páginas ou vídeos publicados na Internet. Muitos destes “Youtubers” são denominados também de “Influencers”, mais não são do que pessoas que publicam conteúdos sobre certos e determinados temas em que são ou se tornaram especialistas (muitos no absurdo!!) e conseguem ter milhões de visualizações e seguidores. Quando isso acontece são as próprias marcas com nome no mercado que se associam a essas pessoas tal não é a influência que existe sobre os tais seguidores. No fundo são uma espécie de influenciadores de decisões, de comportamentos e opiniões que com a valorização das suas próprias opiniões conseguem impor as suas ideias a outros.
 
De facto não me preocupa a forma como eles conseguem fazer daquilo vida, preocupa-me sim aquilo que é publicado e consumido pelos nossos jovens e adolescentes quando não existem quaisquer filtros que impeçam a visualização de conteúdos impróprios e inadequados às suas faixas etárias. Ainda que existam mil e uma aplicações de controlo parental, o que é certo é que há outras tantas que fazem o trabalho inverso.
 
A minha preocupação com isto das redes sociais tem vindo, de certa forma, a crescer. A propagação de notícias falsas, de boatos, a destruição de vidas, a difamação, a criação de falsos perfis com objectivos, no mínimo, estranhos, a proliferação dos mais diversos crimes informáticos, a desinformação e o seguidismo são o que mais me preocupa. Cada vez mais penso que a forma como concebo a utilização das redes sociais não se coaduna com os dias estranhos (muito estranhos!!) em que o mundo vive. Para mim as redes sociais servem para a diversão, para o sorriso, para o conhecimento, para a alegria, de forma a conseguir equilibradamente partilhar aquilo que quero com quem quero mas sempre “na desportiva”… isso de destilar veneno não é para mim. Dada a conjuntura actual do nosso mundo chego a pensar, com algum saudosismo é verdade, na inocência dos anos oitenta, sem internet, sem redes sociais de âmbito informático, sim porque as redes sociais da altura eram as da rua, do jogo da bola, dos amigos de infância. Será que não dá para voltar aos anos 80? Pois… não é possível! Aguentemo-nos, equilibradamente, com o que temos mas sempre sem que algo ou alguém nos subjugue a liberdade do pensamento e dos ideais e nos influencie no que quer que seja… Difícil, não é? 
 
* Professor Luís Parente
Modificado em terça, 19 fevereiro 2019 10:27

Vamos à escrita?

quarta, 02 janeiro 2019 19:19
Um ano e meio se passou sem que tivesse escrito uma única palavra para o “Ardina do Alentejo”. Dezoito meses de “zanga” com a escrita. Poder-me-ão perguntar porquê mas a minha resposta é simples… não faço a mínima ideia, não sei porquê, sinceramente! O meu vigésimo sétimo texto para o “Ardina” nasce hoje, curiosamente no vigésimo sétimo dia do mês de Dezembro de 2018, para já, e enquanto o escrevo não imagino sequer que título lhe hei-de dar, quem sabe no final chegue a alguma conclusão.
 
Talvez esteja na altura de “degustar” as letras, as sílabas, as palavras como outrora. Talvez seja agora o reinício de uma “vida” que temporariamente esteve interrompida sei lá por que motivos.
 
Apesar de “ausente” fui sempre acompanhando a evolução mais do que positiva do “Ardina”, fruto da visão futurista do Pedro Soeiro, que é o rosto mais visível deste projecto, mas também do Ivo Moreira que também tem trabalhado intensamente no site. A eles uma especial e pública saudação pelo trabalho e dinamismo desenvolvido até aqui. É também por isto que ainda hoje me continuo a sentir honrado por fazer parte desta pequena/grande equipa.
 
“Ano novo, vida nova” não é o que recorrentemente se diz, ano após ano normalmente no final de cada ciclo de doze meses? Pois para mim será ano novo, hábitos antigos, pelo menos no que à escrita diz respeito, é claro.
 
Durante estes dezoito meses de interregno muitas alterações surgiram no mundo e na vida de quase toda a gente, e na minha não foi, efectivamente, diferente. Na realidade, e sem querer estar a fazer-me de vítima do que quer que seja, foi um tempo, de certa forma, complicado para mim mas o que é certo é que saí dessa fase muito mais forte e com uma capacidade de regeneração e aprendizagem muito maior.
 

 Durante estes dezoito meses de interregno muitas alterações surgiram no mundo e na vida de quase toda a gente, e na minha não foi, efectivamente, diferente. Na realidade, e sem querer estar a fazer-me de vítima do que quer que seja, foi um tempo, de certa forma, complicado para mim mas o que é certo é que saí dessa fase muito mais forte e com uma capacidade de regeneração e aprendizagem muito maior.

Em dezoito meses vivi várias vidas, desde logo, e naturalmente, a minha, mas vivi com muito mais intensidade, fruto de inúmeras contingências e acontecimentos, a vida de outras pessoas. No fundo vivi de perto com a injustiça, com a impotência e com a incapacidade de resolução célere de problemas de saúde de familiares muito próximos. A este propósito continua a irritar-me o facto desses mesmos problemas andarem sempre muito mais velozes do que as soluções mas contra isso é mesmo muito difícil dar a volta. No entanto, durante este espaço temporal, também vivi lado a lado com a força, com a capacidade criativa, com a persistência, com a solidariedade, com o apoio, com a amizade, com a resiliência e com a efectiva noção de realidade, realidade essa que, a determinado momento, resolveu “dar-me um estalo” para me acordar de forma a conseguir relembrar-me que nós, humanos, não somos senão pó.
 
De facto vivi neste ano e meio em dois estádios diferentes, ou duas estações, como preferirem, uma espécie de estação do bem e outra do mal. Se calhar até vivemos sempre com elas mas nesta altura senti-as mais nitidamente e com mais intensidade na minha vida. Existiam fronteiras nessas estações, ainda assim elas não só se cruzavam mas se interligavam e muitas das vezes se tentavam fundir. No entanto, quando isso aconteceu tive o discernimento e a felicidade de, em conjunto com a família e os amigos, conseguir ter a capacidade de delimitar de novo essas fronteiras para que um estádio não se sobrepusesse ou condicionasse o outro, mantendo dessa forma o necessário e natural equilíbrio. Essa superação foi realizada com muito esforço e foi muito difícil, mas aconteceu “cá dentro”, e acontece sempre quando transformamos a descarga das energias negativas em sorrisos e amor. Não que o amor não exista quando a lágrima escorre pelo rosto… não que o amor não exista quando lutamos contra adversidades… ele existe e existirá sempre em ambas as situações, na alegria e na tristeza. Uma coisa é certa, em ambas as estações de que falei consegui tirar ensinamentos e experiências de vida que me fizeram chegar de novo até aqui, à ponta desta caneta BIC que suja de novo o papel branco (sim continuo a preferir a escrita manual à electrónica!). Agora me apercebo que a fluidez com que essa tinta “escorre” no papel me trouxe a uma espécie de balanço dos meses em que estive ausente, logo eu que não sou nada apreciador de balanços. Na verdade a vida é para ser vivida de acordo com o rumo que a própria vida tomar, baseado ou não nas opções e nas escolhas que vão surgindo, sem balanços, sem previsões… com expectativas sim, com ambições também, mas sempre vivendo o presente, retendo aprendizagens passadas e aguardando o porvir que a sorte trouxer.
 
Ainda que continue a não me considerar nenhum expert para escrever sobre tudo e mais alguma coisa, continuarei a revelar os traços da minha identidade, a minha forma de pensar e ver o mundo e a vida e, mesmo passados dezoito meses, regresso com igual entusiasmo e com a mesma vontade de escrever um pouco sobre esse mundo, um pouco sobre essa vida e até mesmo um pouco sobre mim. Assim os leitores tenham paciência para ler os meus, por vezes, extensos textos. Passado ano e meio regresso com a mesma expectativa e ambição e espero, naturalmente, pelo futuro na ponta da minha BIC. Vamos à escrita? (Olha… encontrei o título!). 
 
* Professor Luís Parente
Modificado em quarta, 02 janeiro 2019 19:24

Quase 12 anos

terça, 04 julho 2017 16:25
Há quase 12 anos, durante o mês de Agosto, o meu telefone tocou. Do outro lado a Margarida, que havia sido minha chefe um ano antes, disse-me que precisava de falar comigo e perguntou-me se podia dirigir-me à Escola de Avis. Sem hesitar disse que sim, que iria falar com ela, mas logo me surgiu o porquê e, da mesma forma que sem hesitar lhe disse que sim, lhe coloquei a questão. Na altura disse-me que não queria falar por telefone e eu, naturalmente acedi e respeitei a sua posição, tendo-me então deslocado à escola no dia seguinte. Quando lá cheguei, com o cabelo quase tão comprido como quando tinha 18 anos, os cumprimentos e as conversas de ocasião preencheram uma parte do dia. Foi então que a Margarida, a Lena e a Luísa puxaram o assunto que me levara lá. Começaram por dizer que tinham pensado em mim para um projeto que era a minha cara, ser Coordenador de um PIEF. Para os menos familiarizados com estas coisas das siglas da Educação, um PIEF é um Programa Integrado de Educação e Formação que integra alunos com algumas particularidades como são o exemplo dos comportamentos disruptivos ou do abandono escolar precoce. No entanto a proposta traria mais qualquer coisa, anexa a ela vinha também o convite para integrar a Direcção do Agrupamento de Escolas de Avis. Na altura confesso que fiquei em estado de choque e duvidei mesmo das minhas próprias capacidades para desempenhar tal cargo, para ser sincero ainda hoje duvido um bocadinho que as tivesse. O que me disseram era que seria só um ano lectivo ao que eu respondi que era demasiadamente desorganizado com papéis para poder aceitar. De imediato a Lena disse-me que também não percebia nada de papéis (tudo mentira!) e aí a minha insegurança esbateu-se um pouco. Propus então falar com a minha família para rapidamente lhes transmitir a nossa decisão. E assim fiz. Questionei a Zézinha, os meus pais, o meu irmão e todos me deram força para aceitar o desafio. Aceitei-o numa de viver a experiência do outro lado, e como era só um ano, talvez não fosse tão doloroso tratar de papéis. Depois de passado esse ano, e sem que tivesse sequer dado pelo tempo passar, vieram quase mais 11. Saiu a Lena, entrou a Ana Rosa… saiu a Luísa e a Ana Rosa, entraram a Ana Isabel e a Joana… saiu a Joana entrou a Lina… e eu que era só para ficar um ano fui-me mantendo com a Margarida até hoje.
 

 Aceitei-o numa de viver a experiência do outro lado, e como era só um ano, talvez não fosse tão doloroso tratar de papéis. Depois de passado esse ano, e sem que tivesse sequer dado pelo tempo passar, vieram quase mais 11. Saiu a Lena, entrou a Ana Rosa… saiu a Luísa e a Ana Rosa, entraram a Ana Isabel e a Joana… saiu a Joana entrou a Lina… e eu que era só para ficar um ano fui-me mantendo com a Margarida até hoje.

A primeira reunião a que assisti enquanto membro da Direcção da escola foi em Portalegre e a ordem de trabalhos era constituída por um único ponto, a abertura do ano lectivo. Começou às três e meia da tarde e terminou quase às dez e meia da noite. Foram quase 7 horas de “seca”. Sim, confesso que detesto reuniões! E tudo o que seja mais de duas horas e meia, três horas já não consigo ouvir nada. Sempre fui assim, muito mais prático que teórico. Felizmente consegui arranjar estratégias para me entreter nas horas seguintes, normalmente eram passadas a desenhar ou a pensar disparates. Quando o tempo de reunião ultrapassa o tolerável para mim, observo as particularidades de cada um, a forma como os oradores se expressam, se são fanhosos, se são meio gagos, se repetem determinadas palavras ou expressões. Sobre isto, chego mesmo a contar o número de vezes que o fazem. Observo a conjugação da roupa, os tiques, os penteados. Imagino-os a fazerem as coisas mais absurdas que se podem imaginar e chego mesmo a esboçar uns sorrisos que, muitas vezes, quase passam a risos incontroláveis só de pensar no absurdo das situações. O que é certo é que tenho que controlar o meu cérebro para não me deixar adormecer. Enfim, como podem imaginar, esta minha primeira reunião foi para mim um suplício e no final da mesma perguntei à Margarida se isto era sempre assim, é que se fosse eu recusava-me a ir a mais alguma. Ela descansou-me e disse-me que não. Felizmente nunca mais, nestes anos todos, tive uma reunião tão longa.
 
Foram quase 12 anos de muitas reuniões, é um facto. Mas também foram quase 12 anos de muita aprendizagem, de partilhas, de cumplicidade, de entreajuda, de comprometimento… Não querendo, de forma alguma, fazer o papel de um político em campanha (Deus me livre!!) acho que é importante espelhar aqui o que foram estes quase 12 anos. Foram quase 12 anos de obrigados mas também de desculpas… foram quase 12 anos de cooperação, de planeamento, de confiança, de adaptação, de criatividade… foram quase 12 anos de flexibilidade, de comunicação, de esforço… foram quase 12 anos de amizade, de risos (“muuuitos” risos), de choro, de angústia, de compreensão, de alegria mas também de tristeza, de desilusão e de sacrifício pessoal e familiar. Nestes quase 12 anos acertámos mas também errámos, trabalhámos todos em equipa, em sinergia, ouvimos, inovámos, motivámos, fomos proactivos, dinâmicos, tomámos decisões fáceis mas também difíceis… Nestes quase 12 anos relaxámos, concordámos, discordámos, tivemos visão, olhámo-nos nos olhos, discutimos, zangámo-nos, criticámos, fomos criticados, obtivemos resultados bons, menos bons, gerimos conflitos, trocámos experiências, descentralizámos, trouxemos modernidade, personalidade, transformámos a Biblioteca em Centro de Recursos, equipámos a escola com material didáctico, informático, construímos o tão ambicionado campo de jogos para os alunos, transformámos uns antigos balneários e arrecadações num auditório para 147 pessoas, criámos, com a ajuda de muita gente, um Centro de Formação Desportiva de Remo, fizemos a manutenção e recuperação dos espaços da escola e principalmente tentámos apoiar os nossos colegas e funcionários respondendo, sempre que possível às suas solicitações, angústias, e tentando sempre resolver os problemas que surgiram com equidade e equilíbrio. Fundamentalmente tentámos dar aos nossos alunos a auto-estima necessária para que pudessem aprender e participar na vida da escola de forma autónoma, natural, equilibrada, em paz, com alegria, espírito de entreajuda e promovendo os valores do respeito, da honestidade, da humildade, do amor.
 
Em Janeiro último pediram-me para escrever o editorial do jornal da escola e nesse editorial fiz questão de expressar a minha opinião sobre o que é para mim a escola, a minha escola. Partilho-o aqui convosco:  
 
A existência de um jornal numa escola é fundamental para transmitir a toda a comunidade o que realmente se passa cá dentro. No fundo é como que um abrir das portas às pessoas para que elas entendam que aqui há vida, que aqui se aprende, que aqui se sente… que aqui se partilham saberes, momentos… que aqui se aprendem valores essenciais para se viver em comunidade… que aqui se aprende a ser dialogante, cooperante, autónomo… que aqui há liberdade, trabalho e responsabilidade… para que as pessoas percebam que aqui se transformam crianças em jovens e que se pretende que esses jovens saiam daqui com vivências, aprendizagens e experiências fantásticas para a vida e se formem cidadãos responsáveis… Aqui, ensinar é o caminho… aprender é caminhar. Mas não é só.
 
Se perguntarmos aos antigos alunos da nossa escola qual o sentimento que nutrem por ela, a quase totalidade vos dirá que têm saudades desses tempos, das amizades, das brincadeiras, de alguns cheiros, de alguns sabores… lembrar-se-ão dos dias de chuva, de calor, dos dias de festa, de determinadas matérias, daquela conversa, daquele teatro, daquela música, daquele beijo às escondidas… lembrar-se-ão dos colegas, dos funcionários, dos professores. Fruto das suas próprias experiências de vida, muitos deles dirão também que se pudessem voltar atrás e estudar mais do que o que fizeram, talvez a vida se encarregasse de lhes dar mais e melhores oportunidades.
 
Todos sabemos que nem todos podem ser doutores mas todos também sabemos que sem esforço, determinação, sacrifício e trabalho nada se consegue. No fundo, o que mais orgulho me dá, é ver que os nossos alunos se tornaram boas pessoas, sejam eles doutores ou não, tenham mais ou menos sucesso nos seus percursos de vida. Na realidade é a colocação do meu grãozinho de areia na construção da identidade de cada um que me dá mais prazer. 
 
A escola não é só aprender e ensinar, é viver! É, naturalmente, uma fase das nossas vidas que ao passar não mais regressará e que devemos aproveitar positivamente enquanto podemos. 
 
Nos dias de hoje os alunos quase que passam mais tempo na escola do que em casa, por isso mesmo é importante que possam partilhar com as suas famílias e amigos um pouco do seu trabalho diário, um pouco das suas próprias vidas…
 
 Mas a escola, no seu sentido mais lato, não é só isto. Trabalhar como docente numa escola, nos dias de hoje, é uma tarefa quase hercúlea dada a quantidade de burocracia e de papéis que existem. Sobre a escola de hoje li há dias um texto que quero aqui reproduzir e cujo autor desconheço por completo mas que me fez reflectir bastante. Partilho convosco: 
 
"Somos o país das escolas vazias. E dos mega agrupamentos lotados. Onde há muitos professores sem trabalho e outros a enlouquecer pela quantidade do mesmo.
Somos o país onde na mesma sala há dois, ou três ou quatro anos escolares distintos. Mas não interessa, porque não há dinheiro para dois professores. Somos o país onde os programas escolares são gigantes e muitas vezes desenquadrados das necessidades de aprendizagem. Somos o país onde desde cedo se tem explicações, não porque os nossos alunos não sejam suficientemente inteligentes, mas porque o programa é louco. Onde os pais não conseguem ajudar a fazer os trabalhos de casa, agora mais exigentes e em maior quantidade. Somos o país onde não há praticamente psicólogos nas escolas, porque não há verba. Somos o país onde as crianças ou não têm tempo para brincar, ou já não sabem brincar. Somos o país onde o ensino especial é só para alguns e a diferença não é contemplada, sendo grande parte das vezes, só alvo de rótulo. Somos o país onde cada vez mais há crianças a entrar com 5 anos para a escola, anulando-lhe a possibilidade de mais um ano de brincadeira para melhor crescer e para desenvolver de forma consistente a concentração e atenção, fundamentais para o processo de aprendizagem. Somos o país onde o número de crianças com hiperatividade e de défice de atenção é, no mínimo, bizarro, onde a imaturidade reina e a falta de controlo de comportamento também. E de regras, com certeza. Somos o país com programa de ensino desfasado do desenvolvimento das suas crianças. Somos o país onde algumas crianças trabalham mais horas que adultos. Somos o país que premeia os quadros de mérito, mas não premeia a excelência humana. Que pena, talvez se assim fosse, os níveis de violência nas escolas fossem menores. Somos o país de pais cansados e desorientados. Somos o país de professores angustiados e revoltados. Somos um país de cortes. Que corta em tudo. E mais precisamente, no futuro do seu próprio país. Somos um país cheio de tanta coisa, mas vazio do que realmente interessa. Somos um país que precisa de dar um murro na mesa e defender aquilo que é seu. Nosso. A escola. As crianças."
 
Este texto reflecte, na generalidade, a parte pior daquilo que penso da escola de hoje, a escola que dá mais importância aos números do que às pessoas. Para ser o mais sincero possível, desde o primeiro dia que comecei a dar aulas até hoje, não senti que houvesse evolução no estado da educação no nosso país. A quantidade de vezes que se mudam os modelos educativos ou os conteúdos programáticos por exemplo, à medida que há mudanças de governos, proporciona e propicia uma completa rebaldaria que só confunde os agentes educativos, principalmente os alunos. Não existe consolidação de nenhum modelo pelo menos desde que comecei a dar aulas há quase 20 anos e isso reflecte-se no estado a que isto chegou. Interessa passar alunos para que os números dos relatórios sobre a educação em Portugal melhorem, não interessa transitá-los com qualidade nas suas aprendizagens. Com isto não estou sequer a abordar a sempre polémica transição ou não dos alunos, o que, na realidade, me importa é que eles saiam da escola não só com conhecimento mas também com valores humanos consolidados para viverem saudavelmente em sociedade. Os nossos governantes esquecem-se sempre daquilo que os docentes nunca esquecem, os jovens de hoje são os Homens de amanhã. Na educação não importa só o agora, importa sempre o depois, e mais que os números estão as pessoas.
 
Durante estes quase 12 anos, mesmo cumprindo as orientações da nossa tutela (concordando ou não com elas), tentámos que a vida na nossa escola fosse vivida pelos nossos alunos baseada em valores de humanidade. Se conseguimos ou não, não sei. Sei que trabalhámos com honestidade, responsabilidade e empenho para o conseguirmos.
 
Trabalhar na escola de Avis não é fácil. Não é fácil trabalhar em escola nenhuma. Nenhum dia é igual ao outro, não existem muitas rotinas, a não ser as do toque da campainha (quando existe). Fazendo um breve balanço destes quase 12 anos, o que mais detestei foi dar “castigos” aos alunos… a sério, não faz parte da minha personalidade! Nem tudo foram rosas neste tempo, é um facto. Esta história de gerir recursos humanos tem muito que se lhe diga. E quando os recursos são adultos ainda mais difícil se torna. É impossível evitar o choque de personalidades. Gerir egos e personalidades completamente díspares é muitíssimo complicado, há que ter um jogo de cintura absolutamente brutal. Era, de facto, interessante que todos os docentes pudessem passar por uma Direcção de uma escola para observarem não só esta realidade mas também a imensidão de coisas que têm que ser feitas, de forma a entenderem que, não raras vezes, a implementação de determinadas regras são oriundas das hierarquias e que as decisões tomadas não são autónomas mas, muitas vezes, impostas. Também era importante que, de X em X anos os docentes fossem conhecer outras realidades, viverem um ano ou dois noutras escolas, mesmo que próximas, para perceberem que ser “dinossauro” numa escola nem sempre é bom, pelo menos não lhes dá o direito de quererem que, por exemplo, o orçamento de uma escola seja gerido como se de um orçamento familiar se tratasse, até porque as diferenças são abismais, ou quererem que a escola seja como era antigamente. Os paradigmas mudaram. Mudam dia após dia e há que seguir em frente.
 
Passados quase 12 anos é altura de dizer adeus a Avis. Cheguei aqui com menos 30 quilos, sem cabelos brancos e a fumar desalmadamente. Saio daqui enriquecido pelas vivências que vivi, pelas pessoas que conheci, pelas amizades que fiz e levo comigo não só uma vila mas um concelho lindíssimo que merece ser visitado.
 

Passados quase 12 anos é altura de dizer adeus a Avis. Cheguei aqui com menos 30 quilos, sem cabelos brancos e a fumar desalmadamente. Saio daqui enriquecido pelas vivências que vivi, pelas pessoas que conheci, pelas amizades que fiz e levo comigo não só uma vila mas um concelho lindíssimo que merece ser visitado.

Da escola levo muito mais, levo o meu coração cheio… cheio com muito mais do que a amizade dos assistentes técnicos e operacionais, levo a simpatia do Sr. Feijão e da D. Elisa, a disponibilidade, cumplicidade e lealdade do Sr. Domingos, as artes manuais do Sr. Antunes, do Sr. António Corrula e do malogrado Sr. João Silva, levo comigo as constantes e hilariantes brincadeiras da D. Celestina, a competência e solidariedade da D. Maria José Carago e a cordialidade da D. Maria José Varela e do Sr. António Joaquim, levo a excelente comidinha da D. Maria do Rosário (hum!!!), da D. Ana Maria e da D. Isabel Lopes, a humildade da D. Margarida Matias, a presença da Elsa, do Sr. Zé e da D. Maria José e o fundamental apoio da D. Paula e da D. Maria Joana, levo comigo as fantásticas coseduras da D. Margarida Carrilho, a cortesia da D. Fernanda, as sábias benzeduras da D. Vitória e a elegante perspicácia da D. Aurora, levo os belos bolinhos com creme da Zéfinha e da Belinha, o chão molhado e o equilíbrio da Filomena, a sobriedade da Carmen, a criatividade do Tiago e a lealdade da Cristiana e levo finalmente comigo a sabedoria, a experiência, a cumplicidade, a responsabilidade e o altruísmo da D. Rosa que foi muitas vezes quase nossa mãe.  A todos, sem excepção… MUITO OBRIGADO!
 
Para além disso, e como tenho um coração muito grande, levo muito mais gente, levo centenas de alunos (de que não me esquecerei, nunca!) e a maioria dos colegas que comigo compartilharam a vida na escola. No cantinho mais especial deste músculo que nos faz estar por aqui, levo as horas partilhadas com a Lena, as brincadeiras da Luísa, a seriedade da Ana Rosa e a invulgar capacidade de trabalho da Joana e levo, fundamentalmente, a parceria e habilidade da fantástica Lina, o genial profissionalismo e empenho da magnífica Ana Isabel, e o apoio, cumplicidade, solidariedade, inteligência e amizade da extraordinária Patrícia e da impetuosa mas versátil, sincera e honesta Margarida. Todas deram o melhor de si, de todas retirei ensinamentos e todas foram profissionais 5 estrelas… por isso… MUITO OBRIGADO!
 
Passados quase 12 anos é altura de dizer adeus a Avis. Saio daqui com a consciência tranquila do dever cumprido e de tudo ter feito em prole dos alunos. Saio com mais 30 quilos, com milhares de cabelos brancos mas pelo menos, deixei de fumar. É verdade, vou ter saudades do caminho, sempre diferente de dia para dia. Reafirmo que saio enriquecido pelas vivências que vivi, pelas pessoas que conheci, pelas amizades que fiz e levo comigo não só uma vila mas um concelho lindíssimo que merece ser visitado. Até sempre… ou até um dia AVIS!
 
* Professor Luís Parente
Modificado em terça, 04 julho 2017 18:21

Vamos dançar?

sexta, 28 abril 2017 20:20
Para ser sincero sou aquilo a que se pode chamar de autêntico “pé de chumbo”. Não tenho o mínimo jeito para dançar. Coreografias, movimentos amplos, movimentos curtos, de pés, de mãos, de ancas, não percebo nada, mesmo. Naturalmente que ao longo da minha vida, muitas foram as ocasiões em que tive mesmo que dançar, quer dizer… dançar não é o termo mais correto, talvez seja melhor chamar-lhe qualquer coisa como “ocasiões em que fui quase obrigado a efectuar movimentos ritmados ao som de uma música”. Adoro música, adoro bater o pé ao ritmo de uma música, adoro fingir que toco bateria, transformo qualquer coisa em baquetas para tentar reproduzir o som da percussão, canetas, talheres, as próprias mãos, tudo serve para fazer “barulho”, ao ponto de, por vezes, em casa, ter alguém a dizer-me que já chega… eu tenho a noção que às vezes é difícil controlar-me neste aspecto. Mas quando toca a dançar… Ui!!! Valha-me Deus!!! Quando era mais novo, para não fazer figuras tristes nos bailes ou nas discotecas, optei por uma situação que, de alguma forma me pudesse proteger para não cair no ridículo, em primeiro lugar observava atentamente tudo o que me rodeava (a bater ritmadamente o pé ao som da música), a forma de uns e de outros se movimentarem, o local onde punham as mãos, se elas próprias faziam ou não parte das criativas coreografias que por lá apareciam. Algumas eram talvez um pouco excêntricas. Ao fim e ao cabo depois de tanta observação eu já conseguia distinguir as clássicas das excêntricas, pelo menos pensava eu…
 
A este propósito, de danças estranhas, recordo-me, numas férias no Luso irmos com o nosso grupo de jovens amigos, que se juntavam todos os anos no INATEL daquela localidade, à discoteca do Grande Hotel curtir a música daqueles finais dos anos 80. De entre dez a quinze jovens rapazes e raparigas destacou-se claramente na inovação da sua dança o amigo Filipe, um rapaz de Matosinhos com um sentido de humor fantástico (típico das gentes do norte) que com os seus movimentos como se estivesse a fazer exercícios de ginástica ou a correr (parado), sempre naqueles 50 centímetros quadrados, fazia com que ao seu redor ninguém ficasse indiferente… era uma risada geral. O que mais me intrigou na altura foi o sucesso da sua coreografia, se é que assim lhe posso chamar, junto do público feminino. Como é que aquele rapaz franzino, que dançava de forma ridícula (fala o entendido…) conseguia dominar a pista de dança e… as meninas? Ele lá sabia! Sabia que os seus movimentos atraíam a gargalhada e tinham sucesso no sexo oposto, e por isso, descomplexadamente, não hesitava um único segundo e continuava a dar o seu “show” para gáudio do pessoal. 
 

Para ser sincero, o meu relacionamento com a dança é estranho, como disse não tenho jeitinho nenhum, mas há músicas que me fazem alterar completamente a noção de equilíbrio, há músicas que me fazem apetecer movimentar-me como um louco. Se estiver em casa ou até num grupo restrito de amigos até sou capaz de fazer a malta rir um bocadinho, se for em público adopto, naturalmente o “movimento horizontal de pés, esquerda encontra direita, direita encontra esquerda”.

Depois de reflectir não só sobre o que tinha ali assistido, mas também sobre a memória, sempre viva, dos meus pais a dançarem nos bailes da Sociedade dos Artistas (eles sim bons dançarinos!), onde o meu pai (que era de tamanho pequeno) dançava agarrado à minha mãe com a cabeça encostada ao seu peito, por ser até aí que a sua estatura o levava, formando ali um cenário igualmente engraçado e igualmente descomplexado, cheguei à conclusão que era altura de parar de só bater o “pézinho” e passar àquele que até hoje utilizo e se pode assemelhar a um passo de dança, o por mim chamado “movimento horizontal de pés, esquerda encontra direita, direita encontra esquerda”. Que nome mais estranho e comprido! (nem queiram saber o nome que eu inventaria se o passo de dança fosse mais complicado). Deste modo consegui arranjar uma boa forma de colocar e movimentar ritmadamente os pés, acompanhando com clareza a métrica da música. E então as mãos? O que é que fazia às mãos? Para saber o que fazer com elas também tive os meus momentos de observação, observei todas as suas formas de movimentos e a conclusão a que cheguei é que, nada melhor que dançar com uma bebida na mão, pelo menos só temos que nos preocupar com a outra, visto que uma já fica ocupada. 
 
Ultrapassada que foi a vergonha ou o receio do ridículo, comecei a desenvolver a técnica nos bailaricos das aldeias e em algumas discotecas da região. 
 
Na irreverência dos meus 18 anos entendi deixar crescer o cabelo e, quando o mesmo já estava efectivamente grande, sucedeu comigo o impensável. Eu era talvez 50 quilos mais magro e um dia, numa tarde de domingo, num grupo de amigos, resolvemos ir a uma matiné a uma discoteca em Elvas (naquela altura ainda havia matinés, agora, sinceramente, não sei se há). Montados na carrinha Peugeot 504 do João Carlos, aí fomos nós até à discoteca “Luigi”. Até aqui nada de estranho, o estranho passou-se lá dentro quando, pouco depois de me ter aventurado na arte do “movimento horizontal de pés, esquerda encontra direita, direita encontra esquerda”, um cromo, certamente com falta de vista, me confundiu com um elemento do sexo feminino e me pediu para dançar. Naquela altura a minha reacção foi só uma: “Desaparece daqui antes que te parta os…” enfeites, para não ser malcriado. O rapazito meteu o rabo entre as pernas e, obviamente, marchou-se. Naquele dia fiquei de novo a duvidar se a minha técnica de dança já estaria suficientemente consolidada para ser exposta ao público, cheguei a pensar se a mesma seria até efeminada. No entanto cheguei à conclusão que o problema era mesmo o tamanho do cabelo, ainda assim, e porque gostava de me ver com ele comprido, não o cortei mas tomei uma outra decisão para que não voltasse a acontecer nenhum episódio semelhante, deixar crescer a barba. Deu resultado! 
 
Talvez por não perceber nada da prática de dança (sim, porque a teoria sei-a toda!) tenha insistido para que, mais tarde, as minhas filhas frequentassem aulas de ballet na Classe de Dança do Orfeão de Estremoz “Tomaz Alcaide”, pelo menos tenho a certeza que não passarão muito tempo a observar, tímida e parvamente como o pai, as danças dos outros.
 
Para ser sincero, o meu relacionamento com a dança é estranho, como disse não tenho jeitinho nenhum, mas há músicas que me fazem alterar completamente a noção de equilíbrio, há músicas que me fazem apetecer movimentar-me como um louco. Se estiver em casa ou até num grupo restrito de amigos até sou capaz de fazer a malta rir um bocadinho, se for em público adopto, naturalmente o “movimento horizontal de pés, esquerda encontra direita, direita encontra esquerda”. 
 
Bem, mas o propósito que me faz trazer este tema ao “Ardina” não é demonstrar os meus feitos ou peripécias na arte da dança. O que me faz trazer este tema é, efectivamente, enaltecer e dar destaque a todos quantos fazem da dança uma forma de vida, ainda que não profissionalmente mas que vivem a dança com intensidade e o demonstram publicamente e com uma qualidade absolutamente extraordinária através dos inúmeros grupos que vão proliferando por esse país fora. 
 
Existem inúmeros géneros de dança, a primitiva, a étnica, a cerimonial, a tradicional, a clássica, o ballet, a dança contemporânea, a dança de rua, o fandango, o flamenco, a dança teatral, o funaná, o hip-hop, o jazz, o Kizomba, o kuduro, a lambada, o samba, a polca, o folclore, o swing, a salsa, a dança de salão, o sapateado, o zumba, a dança no gelo, o break dance, a dança do ventre, de sedução, o tango, as danças africanas, orientais, enfim estaríamos aqui, seguramente, muitíssimo tempo só a falar de tipos de dança e das suas infindáveis variações. Há, de facto, alguns géneros que criam em mim algum fascínio pela sua beleza estética, como são o caso do tango ou da salsa, no entanto, noutro sentido, delicio-me com a perfeição e rigor do ballet clássico e com a liberdade criativa da dança contemporânea.
 
No próximo sábado, dia 29 de Abril, comemora-se o Dia Internacional da Dança. O objectivo da UNESCO em 1982 foi o de criar um dia que pudesse universalizar aquela arte, independentemente dos povos, das culturas, da ética, da religião ou dos sistemas políticos. 
 
Ainda que a UNESCO o não tivesse feito, teríamos sempre que reconhecer a importância da dança ao longo dos tempos, desde a pré-história, ao antigo Egipto, à Grécia antiga, à Idade Média, ao Renascimento, até mesmo aos nossos dias. De uma forma ou outra a dança revelou-se de extrema importância para a evolução do Homem, por isso mesmo há que a celebrar. Celebrar a dança é respeitar o rigor e movimentar-se entre silêncios… é revelar controlo no descontrolo… é ensinar mas também é aprender… Celebrar a dança é valorizar a expressão das emoções, dos sentimentos… Celebrar a dança é dar ao corpo a capacidade do movimento articulado ao som da música… Celebrar a dança é trazer para fora o que a alma transmite… é trazer liberdade ao som e à expressão corporal… Celebrar a dança é viver de ideias, é viver de ideais… Celebrar a dança é trazer o amor para fora… Celebremos então a dança! 
 
Da minha parte celebrá-la-ei sempre com o seguro, discreto e habitual “movimento horizontal de pés, esquerda encontra direita, direita encontra esquerda”.
* Professor Luís Parente
Modificado em sexta, 28 abril 2017 20:33

Idiotas precisam-se

sexta, 31 março 2017 12:10
A ideia hoje é falar de idiotas. Há idiotas em todo o lado, literalmente. No futebol, na igreja, no café, no espectro político, na rua, enfim, em todo o lado… mesmo! Onde quer que haja uma pessoa há um idiota. Quando falo em idiotas não falo só da forma depreciativa que o termo acarreta, falo também da maravilha da ideia. As duas palavras (ideia e idiota) diferem bastante quanto ao seu significado. De acordo com os dicionários que consultei, para tentar entender um bocadinho mais sobre os seus significados e estabelecer, de certa forma, um paralelismo, verifiquei, efectivamente, a diferença entre eles. Se por um lado a ideia nos traz palavras como pensamento, lembrança, memória e fantasia entre muitos outros, idiota leva-nos mesmo para a imbecilidade, para a estupidez, para a ignorância, para a palermice ou mesmo para a burrice. Ainda assim continuo a achar que faz todo o sentido interligar uma com a outra, sim porque há ideias aparentemente idiotas que se provaram mais que acertadas quando efectivamente provadas.
 
Inúmeras ideias que foram surgindo no decorrer dos tempos, muitas delas absolutamente geniais que acabaram por mudar os diferentes paradigmas do mundo, terão partido certamente de completas idiotices, palermices sem aparente sentido. O que é certo é que acabaram por se revelar de grande utilidade para a humanidade em determinada altura. A roda que fez com que tudo mudasse, a bússola que se revelou de extrema importância na expansão do mundo que se conhece principalmente dos séculos XV a XVII, a imprensa do alemão Johannes Gutenberg, a lâmpada eléctrica de Thomas Edison, o telefone de Graham Bell ou mais recentemente a rádio, a televisão, a internet e todo um novo mundo que se desenvolveu a partir destas e de outras supostas idiotices sem qualquer nexo.
 

Quando falo em idiotas não falo só da forma depreciativa que o termo acarreta, falo também da maravilha da ideia. As duas palavras (ideia e idiota) diferem bastante quanto ao seu significado.

Há riscos, quanto a mim, ao se ser idiota. Os riscos que se correm podem ser divididos em diferentes dimensões, a dimensão do crer (acreditar), do querer (ter vontade de), do tentar, do almejar o sucesso mas também do esbarrar no ingrato insucesso. Senão vejamos, como completo absurdo (ou não… não sabemos… ainda) eu creio que aquando da morte na Terra, o nosso ser nasce num outro planeta, um planeta com um centro gravitacional idêntico ao nosso, numa outra galáxia não de nome via láctea (que é aquela onde ainda estamos), mas uma galáxia ainda sem nome. Proponho que ela se chame “AMOR” (sim, assim mesmo em Português). Quero muito que nessa galáxia haja planetas como o nosso mas que o ciclo da vida seja inverso, como já li algures num texto muito discutido sobre a sua verdadeira autoria, ou seja, quero que a vida comece pela morte, siga para a velhice, da velhice para a vida activa, para a adolescência, posteriormente para a infância e que termine num prazeroso acto físico. Quero que nos planetas dessa galáxia viva unicamente o amor nas suas mais variadas derivações (daí o nome para a galáxia), a amizade, a partilha, a verdade, e todos os verbos, adjectivos, etc. que demonstrem positividade. No fundo o que eu quero é um mundo perfeito. Será possível? Não sei! Aqui na Terra, no nosso mundo, não me parece! Ainda que eu e muitos outros continuemos a tentar fazer dele um mundo melhor, esbarramos mais vezes no insucesso do que almejamos o sucesso. No entanto cada pequeno sucesso é uma alegria e por isso mesmo continuaremos a ser os idiotas suficientes para que, quem sabe algum dia, algum ignorante, não tenha uma ideia completamente absurda, estúpida e sem qualquer sentido que consiga mudar o rumo do mundo. Será possível? Se calhar, enquanto estivermos nesta galáxia não! Mas alguém cá ficará e, mesmo na estupidez, poderá fazer acontecer algo que muitas vezes já aconteceu, mudar isto tudo. O mundo precisa mesmo de idiotas… e de ideias!
 
Enquanto a nossa mente for efectivamente maior do que o nosso corpo… enquanto nós conseguirmos que o nosso consciente viva da persistente emoção positiva… enquanto houver estímulos químicos, eléctricos ou mecânicos que façam acontecer os impulsos nervosos para os neurónios trabalharem… enquanto tudo isto acontecer, para falar com sinceridade, ainda acredito na humanidade… nem que seja noutra galáxia!
 
* Professor Luís Parente
Modificado em sexta, 31 março 2017 12:17

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