No passado dia 6 de Abril, quinta-feira, a Praça de Touros do Campo Pequeno, que esta temporada comemora 125 anos de existência, recebeu a corrida inaugural do abono 2017 da praça lisboeta.
A corrida foi abrilhantada pela Banda de Música da Sociedade Filarmónica Progresso e Labor Samouquense, que antes da função se iniciar, brindou Juan José Padilla, com a oferta da partitura e do registo áudio do pasodoble “Maestro Juan José Padilla”, composto em homenagem ao matador espanhol, também conhecido como “El Pirata”. e que pode escutar na página inicial do Ardina do Alentejo.
Na noite em que a nova coqueluche do aficionado português, o matador espanhol Juan José Padilla voltou a sair pela porta grande da primeira praça do país, o matador peruano Andrés Roca Rey deixou no ar que, estando em condições físicas de excelência, pode fazer muito melhor e empolgar ainda mais o exigente público do Campo Pequeno, e João Moura mostrou, apesar de alguns tímidos assobios e de alguns contratempos em ambas as lides, o porquê de lhe chamarem Maestro e de ser ainda um dos maiores cavaleiros tauromáquicos portugueses.
As pegas dos touros Vinhas, ocorridas ambas à segunda tentativa, estiveram a cargo do Grupo de Forcados Amadores de Vila Franca de Xira, que esta temporada celebram 85 anos de vida.
Ardina do Alentejo marcou presença no Campo Pequeno e mostra-lhe agora algumas imagens da corrida inaugural da temporada de 2017 do Campo Pequeno. No final desta publicação, apresentamos também quatro vídeos com alguns momentos das actuações de João Moura, Juan José Padilla e Roca Rey, assim como das pegas realizadas pelo Grupo de Forcados Amadores de Vila Franca de Xira.
Já de seguida, Ardina do Alentejo publica a crónica sobre a corrida inaugural da temporada de 2017 do Campo Pequeno, escrita por Miguel Alvarenga, director do "Farpas Blogue", e um dos mais conceituados críticos taurinos deste país.
Campo Pequeno abriu Temporada Histórica: Padilla, Padilla e só mesmo Padilla!
Juan José Padilla reafirmou e reforçou (e de que maneira!) o seu indiscutível estatuto de novo grande ídolo da aficion portuguesa, trono que não era ocupado por nenhum outro toureiro há uns bons trinta anos, desde os tempos de ouro vividos na praça da capital por “Niño de la Capea” e Ruiz Miguel e, anteriormente, por toureiros como Paco Camino, “Paquirri”, Dámaso González e “Currillo”.
Por outro lado, a corrida que ontem abriu a histórica temporada do 125º aniversário da inauguração da praça de toiros de Lisboa, com lotação esgotada, reafirmou também que estamos a viver a época de verdadeira e profunda revitalização do toureio a pé em Portugal, muito por obra e graça da aficion e do empenho da fantástica equipa que recolocou o Campo Pequeno no mais alto patamar da tauromaquia mundial, reforçando também o sucesso do regresso deste formato das corridas mistas. Uma ameaça ao toureio a cavalo? Não, de forma alguma. Apenas e só um aviso à navegação e um apelo aos nossos cavaleiros para que comecem rapidamente a dar corda aos sapatos, não continuem a ser sempre iguais e não se deixem ficar para trás. O tempo que vivemos é o tempo, outra vez, dos matadores e da definitiva entrega do nosso público ao regresso em força do toureio a pé. Mas é sobretudo o tempo de Padilla. Um ídolo incontestado, mercê da sua total entrega, do seu valor, da sua coragem à prova de balas, de bombas, de atentados, do que for, ele vive o maior momento da sua já longa trajectória, continua a defender e a exaltar que “o sofrimento faz parte da glória” e é um toureiro de uma entrega e de um profissionalismo que conquista, acredito, até o mais anti dos anti-taurinos que por aí andam. Não há ser humano que possa ficar indiferente a tanto arrojo, a tanta valentia - e a tanta arte.
Era aí que eu queria chegar. Não venham agora os puristas dizer que Padilla não toureia bem. Ontem, por ambos os lados, deixou na arena do Campo Pequeno a classe o saber da sua maestria, com um toureio profundo, com derachazos e naturais de mão baixa, mandando e templando, parando, dominando. Depois vieram os desplantes, os rasgos de uma desmedida coragem e de um domínio total sobre o perigo. Um colosso.
Nas duas faenas, demonstrou a sua versatilidade de toureiro completo, esteve enorme com as largas afaroladas de joelhos, toureando depois por elegantes verónicas e bonitas chicuelinas, poderoso com as bandarilhas, profundo com a muleta. Deu duas voltas à arena no seu primeiro toiro, um excepcional exemplar da ganadaria Varela Crujo, como os restantes lidados a pé, que foi até premiado com volta à arena e aplaudido pelo saber dos mais entendidos. No segundo toiro, também de boa nota, Padilla deu três voltas e assim assegurou a terceira saída aos ombros pela porta grande da primeira praça de toiros de Portugal, que é hoje também das primeiras do mundo.
Em todos os pormenores deixou bem patente o seu muito profissionalismo. Quando dava a volta à arena, fez questão de ir à trincheira abraçar um a um os Forcados de Vila Franca, que lhe tinham brindado e a Roca Rey a segunda pega - e só por pouco não se enfileirou também entre eles para realizar a sorte, quis fazê-lo, esteve vai não vai para ir com os forcados, mas depois Roca Rey não o quis acompanhar e ficaram-se pela trincheira.
A segunda faena brindou-a ao Maestro Vitor Mendes, por quem confessou na noite em que lhe entregámos o Troféu “Farpas”/“Volapié” a sua mais profunda admiração. O público levantou-se e rendeu homenagem, numa prolongada ovação, a Vitor Mendes. E Padilla voltou nesse momento a ficar com o público na mão, como no ano passado quando brindou a Ricardo Chibanga. É um verdadeiro “show-man” e é, acima de tudo, um grande toureiro!
Roca Príncipe a caminho de ser Rey
O peruano Andrés Roca Rey vai ser também um toureiro grande. Para já é um Príncipe Encantado a caminho de ser um verdadeiro Rey. Só a pisar a arena vê-se que vai ali um Toureiro!
É certo que não foi bafejado pela sorte nos dois toiros do seu lote, mais parados, se bem que nobres, mas sem transmitir. Mas também é certo que o toureiro se limitou a cumprir, sem ter ido mais além, sem ter justificado as expectativas e o enorme alarido que rodeiam o seu nome, o seu bonito e elegante toureio estético, as suas constantes colhidas, o seu perfil para ser um novo José Tomás.
Roca Rey toureou muito bem, quer de capote, quer de muleta. Mas foi igual a tantos outros, não teve o impacto que se esperava, não trouxe nada de novo e não adiantou nada. Melhor explicando: não se destacou. Esperava-se muito mais e ele limitou-se à vulgaridade - sem que isso diminua a grandeza e a imensa arte da forma como sente e interpreta o toureio. Um dia será. Ontem não foi.
Claro que não é fácil triunfar ao lado de um furacão como Padilla. Mas aos grandes toureiros nunca importou ou afligiu os companheiros de cartel. “El Cordobés” foi quem foi e triunfou ao lado dos monstros da sua época, como Camino, Ordoñez, Puerta, “Antoñete” e tantos mais. Há que ser diferente - como Padilla é. Roca Rey foi ontem apenas e só um toureiro de bom gosto e de belíssimo conceito, mas igual a muitos outros que já por aqui passaram. Não deixou marca. Faltou o dom. Ficou só a arte.
Maestria Mourista e muitos contratempos
João Moura foi brindado com uma calorosa ovação de respeito quando no final atravessou a arena do Campo Pequeno - mas a sua noite não foi a noite que ele sonhara e que todos esperavam.
Uma aparatosa queda por escorregadela do cavalo quando rematava o segundo ferro comprido no toiro de Vinhas que abriu a noite provocou o susto na praça e só por milagre não deitou por terra a vontade com que o Maestro vinha de triunfar, bem patente no gesto de ter mandado recolher os bandarilheiros e ter esperado o toiro no meio da arena, perfilado sózinho diante da porta dos sustos, numa atitude que demonstrou desde logo a intenção com que vinha de fazer a diferença, qual miúdo principiante com o desejo de se afirmar.
Depois da queda - que não terá sido propriamente a queda de um ídolo, mas... -, que felizmente não teve consequências de maior, recompôs-se e encastou-se, superou o incidente, aproveitando as boas investidas do Vinhas e colocando ferros da sua marca, agigantando-se com nos melhores tempos, a entrar pelo toiro dentro e a rematar com o temple e o saber estar de uma maestria e sabedoria que ainda fazem dele uma indiscutível referência.
No segundo toiro as coisas não correram de feição, foi uma lide com altos e baixos e que terminou com divisão de opiniões e sem volta à arena, depois de no último ferro ter deixado o toiro tocar o cavalo.
Os anos pesam e a compleição física de João Moura talvez fosse agora a justificação mais que necessária para repensar, para se pôr de novo em forma e para regressar em força - porque a casta, a raça, o saber e a maestria, isso são atributos que os anos não deixaram perder. E, apesar de tudo, Moura ainda é Moura.
Forcados “à segunda” sem perder o brilho
Grupo triunfador da última temporada no Campo Pequeno, os Amadores de Vila Franca executaram as duas pegas da noite ao segundo intento. Os Vinhas não fizeram mal em demasia, mas investiram que nem comboios e atrasaram-se a arrancar, tendo os forcados que os ir buscar aos seus terrenos.
A primeira pega foi executada pelo cabo Ricardo Castelo, ainda e sempre um dos grandes forcados da actualidade. E a segunda pelo também já consagrado Rui Godinho, muito bem ajudado pelos companheiros na segunda e definitiva tentativa.
Castelo deu volta com João Moura, Godinho merecia tê-la dado também, mas preferiu apenas agradecer os aplausos do público no centro da arena e recolheu à trincheira.
Foram duas pegas à segunda, mas sem por isso deixar de transparecer o brilho dos Amadores de Vila Franca nesta corrida de abertura da temporada lisboeta.
Manuel Gama desempenhou com a habitual competência e o sempre necessário sentimento de aficionado a missão de dirigir esta corrida, rodeada de um enorme ambiente e a que ele soube dar esplendor, concedendo muito justamente música aos matadores logo nos inícios das faenas, revelando condescendência com Moura no quarto toiro da noite quando as coisas não estavam, de facto, a correr de feição. Mesmo assim, reconheceu a casta do Maestro e mandou a banda tocar.
Ao início da corrida, a Banda do Samouco tocou o pasodoble que dedicou a Padilla e ofereceu-lhe a partitura num quadro, que o matador recebeu na arena ao final das cortesias.
Em suma, uma noite de grandes emoções e, acima de tudo, um ambientazo enorme e que já começa a ser próprio das corridas no Campo Pequeno. A praça voltou realmente aos seus tempos de ouro e hoje tem um peso a nível mundial como o teve há muitos anos atrás com a inesquecível gerência do grande Manuel dos Santos.
Deve-se isso a esta grande equipa liderada pela Drª Paula Resende e por Rui Bento Vasques, os grandes timoneiros da mudança, do renascimento e da revitalização do toureio a pé e da grandeza a que souberam elevar o Campo Pequeno. Vive-se de novo uma época de sonho.
Cumpriu-se o lema: Melhor era mesmo impossível!